Isabel Silva Cruz, Margarida Santos Silva, Fernanda Rodrigues
"O legado determinista na intervenção social: combinações possíveis", constitui-se como ponto de partida para uma reflexão que se ancora na análise de projectos de intervenção social desenvolvidos no nosso país. A "questão social" constitui um dos motores do desenvolvimento das ciências sociais e humanas. Privilegiar a análise dos grupos sociais desfavorecidos e/ou em situação de vulnerabilidade é, também, um dos factores do seu próprio processo de maturação e desenvolvimento. As diferentes correntes teóricas /paradigmas que compõem esta área do saber constituem-se em diferentes olhares que se têm vindo a construir para melhor conhecer, compreender e explicar esta questão.
No conjunto das diferentes perspectivas teóricas é possível identificar o privilegiar do individual ou do colectivo, do conflito ou da integração harmoniosa, entre outras. Subjacente a estas perspectivas estão diferentes conceitos de indivíduo analisado enquanto "ser consciente", produtor e produto das relações sociais ou "ser formatado", determinado pelo processo de socialização e pela consciência colectiva.
Embora em alguns aspectos divergentes ambas as perspectivas pressupõem um investigador interventor que promove, ainda que de modo diverso, a integração dos grupos em situação de maior vulnerabilidade. Esta intervenção remete, necessariamente para a análise da relação entre a Ciência e o poder instituído.
Nesta análise importa, também, salientar a articulação entre os pressupostos teóricos que sustentam a intervenção e as metodologias utilizadas. Pese embora o predomínio do individual e da perspectiva determinista, visível na procura de factores (formação/capacitação) para atingir os objectivos (qualificação que obste à exclusão), constata-se que se procuram implementar metodologias participativas e de pendor qualitativo. Contudo tornam-se evidentes dificuldades de articulação teoria/método, bem como de operacionalização das mesmas. Esta dificuldade é visível, por exemplo, relativamente à participação das populações no projecto, nomeadamente quando a intervenção se centra na melhoria das qualificações pessoais e sociais (formação) de indivíduos/grupos em situação de maior vulnerabilidade e/ou é desenvolvida por uma entidade com pouca experiência no domínio da intervenção social. Nestes casos, a participação da mesma restringe-se, por via de regra, à fase de execução /implementação. Constata-se ainda que a diversidade das formações organizadas no âmbito destes projectos se restringe, frequentemente, a áreas de baixa ou nula empregabilidade, o que as torna em formações mais de pendor individual do que sócio-profissional.
Contrariamente, as intervenções desenvolvidas por entidades com maior experiência e centradas em territórios parecem alcançar melhores resultados quer no que se refere à participação/implicação das populações, quer na promoção da inserção das mesmas. Estas intervenções ancoram-se em traços sócio-culturais dos territórios e na afirmação das identidades dos mesmos.
Consequentemente, é possível questionar o grau de inserção alcançado quando os projectos se centram em públicos designadamente quando se trata de públicos de reconhecida vulnerabilidade. Nalguns casos pode-se reconhecer uma ténue fronteira entre os contributos para a inserção a par de um teor estigmatizante de algumas actividades. A inserção destes públicos parece ser facilitada / potenciada quando a intervenção se alarga a todos os grupos sociais de um mesmo território. Não é possível integrar centrando a acção exclusivamente nos grupos excluídos.
Uma nova questão se coloca: o privilegiar do território pode pressupor um deslocamento do objecto das ciências sociais, isto é, a realidade social = indivíduo + meio físico. Tal facto leva a considerar numa outra perspectiva a relação entre ciências sociais e ciências naturais. A questão vai para além da delimitação do domínio/área de intervenção de cada um destes campos do saber, importando conhecer/aprofundar os contributos / complementaridades possíveis que resultam desta transdisciplinaridade. Como se operacionalizam na intervenção sobre o social.
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