Nenhum país tem soberania sem projeto nacional. Num sistema global finito, como é o caso terrestre, a falta de um projeto nacional auto-referido é ocupada inexoravelmente por algum outro projeto nacional assumido alhures. Embora seja difícil caracterizar projeto nacional, é relativamente fácil perceber a sua inexistência. Basta observar que alguns requisitos percebidos ou reclamados como essenciais por países que se afirmam no cenário internacional e que exercem influência ativa no contexto da globalização, são negligenciados ou postulados de modo diametralmente oposto por países influenciados nesse cenário. Uns são globais por terem projeto nacional e outros também o são, mas precisamente pela sua carência. Há uma complementaridade nisso e há também uma tendência com respeito ao aprofundamento disso. A reserva de esperança subsiste diante da convicção de que essa complementaridade é dinâmica e de que tendência não é destino. Muitos fatores influem nessa dinâmica, sendo que a conjugação de apenas alguns deles costuma ser decisiva para alterar a configuração do sistema global. E tendência não é destino porque para um futuro previsivelmente desanimador, a realidade está sempre a acudir com o fortuito. É o que ainda anima participar de seminários.
No âmbito interno de países importantes sem projeto nacional, mas não sem vontade de tê-lo (um dos principais fatores em jogo), é latente o pulsar de uma luta em torno dessa questão. É o caso do Brasil onde há posições divergentes quanto à própria inexistência de um projeto. Aqui não está em causa a sinceridade de tais posições, mas sim o desastre nacional brasileiro antevisto diante da desgraçada possibilidade de elas prevalecerem.
Para caracterizar isso tome-se a visão de elites nacionais brasileiras e européias quanto à questão demográfica, que diz respeito ao potencial de realização de um país ou continente. Em termos sociais a noção de desenvolvimento é incompatível com o vazio humano. Desenvolvimento é feito por pessoas e para elas mesmas. Esta é a visão evoluída e, não por acaso, influente no sistema globalizado. Neste caso o exemplo vem de uma instituição sob forma organizacional, o Institut Français de Rélations Internationales - IFRI, que faz estudos para a Comunidade Européia (CE). O IFRI lastima o "inverno demográfico" (aspas do original) por que vem passando o continente europeu (mesmo ampliado para trinta países) e, para superá-lo, reclama políticas de adensamento rápido da região, de modo a manter a CE a altura do bloco norte-americano e do asiático, por volta do ano 2050. O prognóstico é tão apocalíptico que convém não interpretar e abrir as aspas de rigor:
"o avanço da globalização reserva para a Europa a saída da história, fazendo-a retroceder para o seu lugar de antes da Revolução Industrial do século XIX." Visão bem oposta é a daqueles para quem desenvolvimento é um bom produto per capita, independentemente de como essa conta seja feita. Esta é a visão retraída e, também não por acaso, influenciada no sistema globalizado. Neste caso o exemplo vem de outra instituição, desta vez sob forma personalizada, com depoimento público de um ilustríssimo ex-presidente da república. Para a ênfase dada à questão demográfica são reproduzidas as aspas do original: "Para se ter uma noção do Brasil, é preciso olhar o país no tempo, sob o ponto de vista demográfico." Seu projeto nacional para a continuação de uma obra que parece considerar inacabada, prevê a melhoria da renda média nacional pela redução dos participantes de sua produção nos próximos vinte anos. A falácia deste tipo de projeto nacional é demonstrada pelo simples cotejo, em tabela, das posições relativas de vinte importantes países, inclusive Brasil, tomados dos quatro principais continentes do planeta.
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