A presente intervenção é realizada num estabelecimento de assistência à infância e adolescência considerada de risco pessoal e social. Este se situa no interior paulista, possui caráter filantrópico-caritativo-religioso. Tal estabelecimento surgiu durante o período da ditadura militar, na década de 60170, juntamente com a criação das FEBEMs e FUNABEMs. Nesse contexto histórico foi produzida a figura de criança e adolescente perigosos para si e para os outros e estes estariam propensos ao crime e à marginalização social pelo fato de pertencerem a classe empobrecida socialmente. Percebe-se, então, a associação entre criminalidade e pobreza, discurso esse veiculado até hoje pelos agentes institucionais deste estabelecimento. Assim, as crianças e adolescentes eram vistos pelos educadores como futuros transgressores da lei e da ordem. Fomos chamados a intervir no sentido de normalizar e normatizar esta população, gestando uma administração útil dos homens. Nesse sentido a demanda era de que reafirmássemos as práticas de tutela e controle, gerenciadas pelo Estabelecimento. Tais práticas eram invisíveis, pois estão travestidas pela pedagogia caritativa-filantrópica. Para que pudéssemos ter visibilidade das forças em jogo na instituição, formamos cinco grupos de adolescentes com idade variando de doze a dezessete anos e com os agentes institucionais composto por vinte e seis membros. Os grupos foram pensados como dispositivos que produziriam cartografias que desenhassem movimentos de exclusão maquiadas por inclusão social. Assim, nossa postura foi de problematizar os processos de burocratização, estreotipias e naturalizações da infância e adolescência empobreci da e por esse motivo considerada perigosa para si e para a sociedade. Realizamos vinte e cinco oficinas semanais com os agentes institucionais e praticamente quinze encontros com cada grupo de adolescente. Percebemos acontecimentos diferentes em todos os grupos. No grupo dos agentes institucionais ganharam visibilidades os seguintes movimentos: atuam no Estabelecimento com o senso comum sobre criança e adolescente e portanto reafirmavam o lugar da adolescência de risco pessoal e social; não tinham um plano pedagógico a não ser o caritativo e filantrópico para atuar com os clientes, mantinham relações fortemente hierarquizadas que transpunham para a relação com os adolescentes; sentiam-se privilegiados por estarem atendendo a terceira geração de assistidos sem se darem conta que tal fato reproduzia a exclusão social; os cursos oferecidos como profissionalizantes, são cursos que não possibilitam a inscrição do adolescente em outros campos sociais; para eles 60% das crianças têm problemas psicológicos e 40% têm problemas de aprendizagem. Enfim, tais conceitos e práticas possibilitavam a manutenção dos adolescentes numa perspectiva geográfica e social. Quanto aos grupos de adolescentes percebemos também vários movimentos: produziam críticas aos cursos de bordado e marcenaria; buscavam inscrever-se em outros campos sociais, universidades, Horto Florestal, enfim, outros espaços da sociedade; reivindicavam o direito de brincar, de cantar, de dançar, burlando as regras do Estabelecimento; criavam peças teatrais onde encenavam seus cotidianos e buscavam em diferentes locais e pessoas novas formas de investimento afetivo. Assim, o dispositivo grupal nos forneceu visibilidade aos jogos de forças vindas dos agentes institucionais e as que os adolescentes investem contra os mesmos. Nesse sentido, buscavam apoderar-se de seus direitos negados pelo Estabelecimento e criavam condições para expandir seus relacionamentos e afetos em outros lugares, não se centrando apenas no estabelecimento. A exclusão pensada como incapacidade dos sujeitos viverem a própria existência, reafirmada pelo Estabelecimento através de suas praticas é cotidianamente contestada, transgredi da, pela práticas dos adolescentes que durante esses dois últimos anos vêm constantemente se reafirmando e se apropriando de outras inscrições no mundo, rompendo com o estigma de perigosos para si e para os outros.
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