Este estudo busca analisar o papel social desempenhado pelas iniciativas de produção cooperativadas e autogeridas, sob uma dupla abordagem: 1- análise das empresas autogeridas enquanto projeto político-social alternativo de geração de trabalho e renda (especificamente, no caso empírico aqui analisado, capitaneado pelo sindicato ao constituir uma cooperativa de produção a partir da falência de uma indústria metalúrgica); 2- análise sob a ótica de uma sociabilidade regida pela nova questão social que remete a uma outra relação indivíduo-sociedade, onde associam-se ações e projetos coletivos com estratégias individuais de inserção social.
A primeira abordagem refere-se ao universo empírico de estudo e a segunda à sua compreensão teórica. Dito diferentemente, o objetivo deste estudo é investigar, através de uma cooperativa de produção autogerida e de seus trabalhadores-cooperativados, as formas emergentes de combate à desfiliação (Castel, 1995) ou exclusão econômica e social e sua relação com um processo social de "individuação" (Martuccelli, 2002).
Diante das mudanças no cenário político mundial, marcado pela queda do socialismo na Europa Oriental - e do planejamento econômico estatal -, o "semifracasso" dos governos e partidos social-democratas na preservação do Estado de bem-estar social; originou-se um novo quadro político onde forças sindicais e partidárias priorizam os empreendimentos econômicos solidários que fogem à lógica mercantil capitalista (Singer, 2002). As iniciativas da sociedade civil, principalmente a partir dos anos 90, surgem com grande força no Brasil, permitindo uma maior exposição de movimentos sociais, mudanças de atuação dos sindicatos, crescimento da ação dos partidos políticos de esquerda, o surgimento de grande número de ONGs e, sobretudo como efeito das vicissitudes econômicas, a emergência de iniciativas alternativas na geração de trabalho e renda como os diferentes tipos de cooperativas no campo e na cidade, empresas de autogestão e pequenos projetos comunitários.
A nova questão social, marcada pela desregulamentação e flexibilização da estrutura social, remete à presença de indivíduos em situação de "flutuação" na estrutura social, de maneira que o mundo do trabalho ganha importância enquanto suporte e instrumento de inserção social (Castel, 1995). Esta nova forma de sociabilidade lança uma interrogação sobre a idéia de personagem social, de uma homologia entre uma trajetória social, um processo coletivo e uma vivência pessoal (Martuccelli, 2002). Há uma singularização crescente das trajetórias individuais, em um contexto de enfraquecimento do coletivo e da homogeneização de percursos sociais. Se o social não é mais garantia de trajetórias seguras e de inserção social - há a passagem do "sólido" para o "precário" - o indivíduo é obrigado a tomar para si a responsabilidade de sua biografia, aumentando a autonomia individual em relação ao todo social.
A proposta deste estudo é, assim, procurar compreender a articulação entre a empresa autogerida, enquanto forma de iniciativa e ação coletiva, e a intensificação do mencionado processo de "individuação". A partir da vivência destes trabalhadores e de sua relação com o trabalho, trata-se de investigar os elos que mantêm os trabalhadores cooperativados em um processo de natureza, simultaneamente, coletiva e individual. Após ter efetuado duas pesquisas a respeito da relação com o trabalho junto aos trabalhadores de empresas privadas de tipo puramente capitalista ("Autonomia outorgada e relação com o trabalho; um estudo comparativo França Brasil" e "Autonomia outorgada e resistência: a relação do trabalhador industrial com seu trabalho" ), o presente estudo busca investigar, além das diferenças e similitudes da relação com o trabalho entre trabalhadores de empresas privadas e de empresas autogeridas, a articulação entre indivíduo e sociedade no seio da nova questão social.
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