O facto de, no contexto da fecundidade em mulheres de 40 e mais anos, ganhar visibilidade o número de nascimentos ocorridos fora do casamento, seja com coabitação mas também sem coabitação dos pais, permite avançar com a hipótese de alguns destes nascimentos atestarem a emergência de novas famílias, na dupla acepção relacional e temporal, ante a "tradicional" associaçã o entre casamento - conjugalidade - sexualidade - procriação.
Por um lado, a sobre-representação dos nascimentos fora do casamento com coabitação dos pais em mulheres de 40 e mais anos pode significar que alguns desses nascimentos sejam fruto de "novas famílias", ou seja, da união de pessoas com experiências conjugais anteriores, usualmente designadas como famílias reconstituídas, argumento que ganha peso quando se sabe que a primeira relação conjugal continua a ser maioritariamente a legal (INE 2001a), que os rearranjos familiares a seguir a uma ruptura conjugal contribuem para engrossar actualmente o número de nascimentos fora do casamento (Ferreira & Aboim 2002) e quando se atenta à idade dessas mulheres, verificando-se que lhes possibilita, perfeitamente, uma experiência conjugal anterior a ter lugar na "primeira metade da vida". É neste contexto - relacional - que os nascimentos depois dos 40 poderão ser nascimentos de Num outro plano - o temporal -, essa mesma sobre-representação dos nascimentos fora do casamento com coabitação dos pais em mulheres de 40 e mais anos pode significar, mais que "novas famílias", "famílias novas". Na verdade, o aumento das uniões de facto nos é a expressão clara e inequívoca de novas formas de viver a conjugalidade, quer nas famílias reconstituídas, como também nas primeiras uniões entre pessoas para quem o laço jurídico oficial aparece como uma formalidade desnecessária e para quem os casamentos podem bem ser "casamentos sem papéis", uma vez que não acrescentam nada aos sentimentos.
"Famílias novas" sã o também as que a sobre-representação dos nascimentos ocorridos em mulheres de 40 e mais anos fora do casamento e sem coabitação dos pais pode ainda indiciar, ao evidenciar dissociações entre conjugalidade e procriação, que se traduzem numa monoparentalidade "independente" (Ferreira & Aboim 2002) ou maternidade a solo . Estas experiências podem contudo significar realidades profundamente contrastantes. Se é certo que, de um lado, se podem situar franjas de mulheres que empreendem a fecundidade à margem de qualquer relação está vel, deixando antever algumas "produções independentes" de mulheres que desejando ter filhos os têm, de outro lado poderemos ter as situações que a sigla LAT (Living Apart Together) tão bem exprime, isto é, as conjugalidades nã o coabitantes de quem vive separado mas está junto (Sarrible 1996), articulando assim uma identidade consolidada na esfera pública com uma autonomia relativa em termos familiares, sem prescindir porém da gratificação afectiva e sexual - e por isso afirmando uma outra dissociação entre casamento e sexualidade -, que a relação informal do casal proporciona, quando se vive "só" mas "com", ainda que afastados espacialmente (Singly 2001).
Os nascimentos ocorridos em mulheres de 40 e mais anos podem bem ser os filhos de "novas famílias" e de "famílias novas". Famílias reconstituídas, uniões de facto e maternidades a solo afirmam, em qualquer dos casos uma "maior abertura do campo de possibilidades para a construção de percursos familiares, em comparação com a linearidade do esquema tradicional" (Ferreira & Aboim 2002: 426) e, por isso, a flexibilidade, multiplicidade e diversidade do tempo familiar, características que se imprimem também às experiências familiares, riscadas agora por traços de maior individualismo. Reforçam-se assim as ideias de não linearidade das transições familiares, vincando ao mesmo tempo a desinstitucionalização da vida familiar e dissociando a "tradicional" associação entre casamento - conjugalidade - sexualidade - procriação.
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