O tema é o do tratamento dado à participação da família no interior do paradigma atual de implementação da política social no Brasil.
O estudo dos principais programas sociais em curso e a análise da legislação pertinente evidenciam hoje um paradoxo entre o crescimento da responsabilidade neles atribuída ao grupo familiar doméstico e sua conhecida fragilização, em termos de morfologia, condições de sobrevivência e estabelecimento de vínculos internos.
No sentido da "transição demográfica", a família brasileira mostra tendência firme e acelerada de diminuição do número de filhos (o número médio/ filhos por mulher caiu de 5,8 em 1970 para 2,3 em 2000 -IBGE-PNAD -2001). Quanto à composição, continua em ascenção a proporção das famílias "monoparentais" femininas, com 30% do total, onde a viuvez pesa proporcionalmente mais, com o aumento, para sete anos, da diferença de expectativa de vida favorável à mulher. Envelhecimento populacional presente, ainda que muito abaixo das taxas européias, com uma cifra de 9,3% de pessoas com 60 anos e mais, 66% delas vivendo com filhos e parentes. Movimento em sentido contrário à diminuição do tamanho da família, fazendo aparecer o fenômeno da "conlongevidade" - a convivência de três gerações no mesmo núcleo (as novas gerações retardam a saída com as taxas altas de desemprego). Há um "giro" na posição de dependência do idoso, contribuindo ele com o sustento da família pelo recebimento regular de aposentadorias e pensões; no Nordeste, com indicadores sociais piores, sua participação chega a 75% da renda total familiar (IPEA- 1999). O firme crescimento da participação da mulher na força de trabalho, básico no conjunto de mudanças, há mais de meio século, é marcado recentemente pela informalidade e precarização.
Assim a família consegue sobreviver às custas de aumentar seu tempo de trabalho, lançar mão do trabalho infantil, restringir compras e lazer, andar a pé para economizar no transporte e desfazer-se de bens, em níveis inaceitáveis.
Esta situação, verificada para outros países da América Latina (González d.l. R., M.; Grinspun, A.2001), foi por nós avaliada em pesquisa qualitativa realizada em programa de transferência de renda, atingindo 13 000 famílias das áreas periféricas da cidade de São Paulo.
Também foi constatada a incapacidade do modelo familiar transitar daquele que pode ser denominado "institucional", basicamente motivado pelo interesse da fundação de uma família e da geração de filhos para o "associativo", no contínuo de recuo da importância da parentalidade e avanço da conjugalidade apontado por (TORRES, A., 2002). Não se realiza a transformação familiar para a centralização no casal e na intimidade do par, como descrito por (GIDDENS 2003).
O trabalho se inscreve no campo da discussão comparativa dos modelos de "WelfareStates", especialmente no caminho aberto pela exigência de aprofundamento da análise da situação específica da Europa do Sul, onde "a família, com sua divisão de responsabilidade e de trabalho, de acordo com o gênero e as gerações e com sua estrutura assimétrica de interdependências é o parceiro explícito do Welfare State" (BALBO 1977, 1984, apud SARACENO, C., 1994), resguardadas as diferenças com a situação brasileira. Implica ainda na análise da diferenciação de responsabilidades de gênero criadas na organização familiar, com impacto sobre o gozo dos direitos individuais, em prejuízo da mulher.
Analisa-se o papel de suplementaridade desenvolvido pela solidariedade parental na absorção das tensões causadas pela desigualdade distributiva, com a instância familiar maximizando as chances de sobrevivência da população, quando a renda "per capita" tem seu valor rebaixado na redistribuição interna.
Analisa-se o poder conferido à família como "matriz identitária", num mundo em que o emprego diminui, e com ele a possibilidade de identificação pelo trabalho. Ainda aparece como geradora de relações sociais capazes de evitar o aprofundamento do esgarçamento do tecido social, profundamente atingido pela pobreza e pela violência.
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