Com este trabalho, se busca tecer uma reflexão sobre o sentido da afecção psicossomática à luz dos pontos de confluência existentes entre relações de gênero e psicanálise. Enquanto uma perspectiva específica no modo de encarar o fenômeno da doença, a psicossomática tem como pressuposto a unidade funcional soma - psyche, apontando assim para a influência de variáveis emocionais no orgânico.
No decorrer dessa reflexão, far-se-á um breve histórico e evolução da psicossomática, enquanto campo de estudo, culminando com o estado atual da questão, em que a leitura lacaniana psicanalítica elege a "função paterna" como o significante por excelência na urdidura do fenômeno psicossomático.A complexidade desse objeto de estudo - psicossomática- implica, outrossim, uma apreensão da ordem do complexus (o que é tecido junto), daí a necessidade do veio teórico das relações de gênero, como uma outra vertente, além da psicanalítica, a ser abordada nessa reflexão.
Atualmente, o reconhecimento de variáveis emocionais como desencadeadoras das doenças já se tornou lugar-comum entre as pessoas; apesar do saber médico ainda funcionar sob os auspícios da lógica cartesiana, a atualização do antigo princípio hipocrático anunciado desde a Antiga Grécia - "mente sã, corpo são" - cada vez mais se faz presente, não só nas instituições médicas- seja de ensino, como as Universidades, seja nas Associações Médicas -, mas também na mídia, sempre veiculando notícias apontando para a importância da atualização dessa antiga forma hipocrática de lidar com o adoecer. No seio da produção psicanalítica esse reconhecimento já se faz presente desde o século XIX; criado por Heinroth em 1818, o termo Psicossomática, contará mais tarde com outras investidas pioneiras como as de Grodeck, Reich, Freud, entre outros.Esse último, apesar de nunca ter feito uso do termo - falava em "complacência somática" - inaugurou um campo de saber - o psicanalítico- em que a vinculação soma-psyche é premissa primordial.A nível de Estado, já se observa outrossim medidas direcionadas para o fomento de políticas públicas,tendo em vista a prevenção e tratamento dessas afecções,visando a minimização de custos e prejuízos.
Nesse trabalho, propomos tecer considerações tendo em vista elucidar a dinâmica de emergência do Lúpus Eristematoso Sistêmico (LES) -afecção psicossomática- , buscando apreender como essa manifestação pode funcionar como o simbólico expresso no corpo, bordejando a ação de indicadores presentes na construção da subjetividade e como podem eles vir a influenciar no surgimento da dita afecção.Como referencial teórico, a leitura lacaniana da Psicossomática constituirá um dos suportes dessa reflexão analítica; partindo da lógica do significante, em que a afecção psicossomática se caracteriza como uma espécie de solução para um defeito de filiação simbólica, o conceito de metáfora paterna, eixo teórico fundamental, se põe como crucial na apreensão desse modo particular do adoecer: neste, a função paterna não funciona e, no lugar dela, aparece a lesão, quando a filiação ao "Nome-do-Pai" se transforma em filiação ao órgão.
Outro eixo teórico chave é o de identidade de gênero, constitutivo da identidade social e, nesse sentido, uma construção, através da qual as subjetividades dos seres humanos são constituídas, inclusive pela identificação com o que seja da ordem do "feminino" e do "masculino"; enquanto construção social, essa identificação de gênero corresponde a efeitos de significado e de auto-representações produzidas nas pessoas através de práticas, discursos, instituições sócio-culturais que têm como função e efeito a produção de homens e mulheres.
Assim posto, a função paterna na estrutura edípica e a relação de gênero na estrutura patriarcal constituem os eixos teóricos basilares na leitura da Psicossomática, buscando evidenciar a relação e as repercussões na emergência e dinâmica do LES.
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