Brasil
Concebida nos moldes da teoria política liberal, a desobediência civil justifica-se enquanto reafirmação dos pressupostos da legitimação do poder político: a atuação do Estado teria como fonte de validade o respeito aos direitos fundamentais, de modo que a violação de tais prerrogativas justificaria o descumprimento de medidas oficiais. O ponto a ser aqui asseverado diz respeito ao fato de que essa concepção de desobediência extrai seu fundamento da ideia segundo a qual o sujeito mantém com a ordenação jurídico-política um vínculo puramente externo. A mudança qualitativa na percepção de tal vínculo pode ser alcançada a partir do conceito hegeliano de reconhecimento (anerkennung). Isso porque tal conceito implica a centralidade da luta como requisito fundamental para a plena constituição do sujeito; em outras palavras, defende-se que a individuação só se faz possível pela mediação de instâncias universais: para Hegel, a família, a sociedade civil e o Estado. Assim compreendida, a relação indivíduo/poder político deixa de ser algo a respeito de que o primeiro possa dispor sem prejuízo, de modo que a desobediência ao direito, ao invés de negação absoluta, adquire a forma de uma reafirmação critica da ordem vigente no sentido de expansão dos padrões de reconhecimento nela institucionalizados. Nos marcos desse modelo, torna-se possível pensar novas articulações em torno das pautas dos movimentos sociais emancipatórios, notadamente em face da necessidade de apreender a transformação social como um processo imanente, ou seja, um processo de ressignificação das normas universais que é engendrado sob o pano de fundo de um mundo da vida que oferece o sentido geral dos padrões de justiça a serem buscados no campo da luta política.
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