Brasil
Ensaísmo, práticas confessionais, autoficção, performance de si, apropriação de imagens amadoras, valorização do processo e abertura da cena à sua não realização, na forma da emergência do fracasso, são escolhas, projetos ou procedimentos estéticos empregados em um número crescente de filmes brasileiros, sobretudo aqueles tomados por documentais.
Tais escolhas dialogam, criticamente ou não, com uma cultura audiovisual colonizada por estratégias que visam a uma permanente intensificação dos “efeitos de real”: seja por meio da tentativa de apagamento da linguagem como construção e mediação (o que chamamos de “apelo realista”), seja por meio da exposição de uma suposta intimidade como lugar privilegiado, ou mesmo garantia, da verdade do sujeito (o que chamamos de “hipertrofia da subjetividade”). Na contramão dessa tendência e operando na indeterminação entre autenticidade e encenação, pessoa e personagem, público e privado, processo e obra, experiência e jogo, vida e performance, diversos documentários brasileiros contemporâneos, que constituem o foco de nosso interesse, têm investido na opacidade, na explicitação das mediações, na reposição da distância e na tensão entre as subjetividades e seus horizontes ficcionais – destilando dúvidas a respeito da imagem documental, colocando sob suspeita seus procedimentos ou produzindo suas próprias esquivas. Os filmes que constituem o nosso corpus – caso de Jogo de cena (Eduardo Coutinho, 2007), Santiago (João Moreira Salles, 2007), Pan-cinema permanente (Carlos Nader, 2008), Juízo (Maria Augusta Ramos, 2008), Pacific (Marcelo Pedroso, 2009), Moscou (Eduardo Coutinho, 2009), Filmefobia (Kiko Goifman, 2009), Viajo porque preciso, volto porque te amo (Marcelo Gomes e Karim Ainouz, 2009), Avenida Brasília Formosa (Gabriel Mascaro, 2010), O céu sobre os ombros (Sergio Borges, 2010), As cartas psicofradas por Chico Xavier (Cristiana Grumbach, 2010), Oma (Michael Wahrmann, 2011), J (Eduardo Escorel, 2008), Sábado à noite (Ivo Lopes Araújo, 2007) e Rua de mão dupla (Cao Guimarães, 2004), além de diversos outros títulos, de longas e curtasmetragens, a eles relacionados – não são aqui vistos como meros sintomas de nossa época, nem como formas puramente autônomas dotadas de legitimidade artística. Organizados em quatro ensaios e articulados a outras manifestações da cultura, os filmes analisados tanto constituem diversos regimes de visibilidade (com seus correlatos modos de produção da subjetividade) como tensionam as formas estéticas e as forças culturais, políticas e sociais em jogo em nossa sociedade mediada pela imagem, onde o que se mobiliza e disputa é a própria vida ordinária (que sempre interessou ao documentário), contígua às dinâmicas do capital e indissociável de seus jogos de cena.
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