Cada sociedade humana ou época tem, manifestamente, um núcleo de preocupações ou temas em torno dos quais são construídas partes significativas de seus sistemas simbólicos. O trabalho do antropólogo, como intérprete, consiste em detectá-los, expor analíticamente a maneira como que eles são tratados na cultura em questão e iluminar a forma como orientam a interação social. Como tentarei demonstrar, nos cultos xangô da tradição Nagô, um dos motivos recorrentes nas representações e na organização social dos seus membros é o esforço sistemático de liberar asi categorias de parentesco, de personalidade, de gênero e sexualidade das determinações biológicas e biogenéticas a que se encontram ligados na ideologia dominante da sociedade brasileira, assim como remover a instituição do matrimônio da posição pivô que ela ocupa na estrutura social, de acordo com essa ideologia. Estas duas características da visão do mundo do xangô, parece-me, podem ser relacionadas à experiência histórica da sociedade escravocrata no Brasil, já que dela emergiu o gruipo humano que originou o culto.
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