Esta pesquisa investiga as escolhas temáticas e estético narrativas de filmes documentários do estado do Pará frente a uma história de discursividades coloniais sobre a região amazônica para discutir como o cinema contemporâneo pode se relacionar a elas. De modo exploratório, parte-se de um levantamento de documentários em curta-metragem, produzidos no Pará, e exibidos em mostras e festivais do próprio estado ao longo de 10 anos (2007-2017). Realiza-se também um levantamento bibliográfico a respeito de imaginários construídos sobre a Amazônia. A partir desses procedimentos, elegemos para análise o que chamamos de repertórios científicos e repertórios fantásticos sobre a Amazônia para problematizar suas relações possíveis com o cinema contemporâneo no Pará. Considera-se que convergem, no campo do documentário, matrizes relacionadas ao verossimilhante e ao científico, afeitas aos “discursos de sobriedade” e outras formas de conhecimento instrumental, relevantes para abordagens que a Amazônia passa a ter a partir do trabalho de naturalistas europeus nos séculos XVIII e XIX. Ao mesmo tempo, argumenta-se que os filmes documentários aqui considerados reclamam o real a partir de matrizes relacionadas a um ímpeto estetizante, tributário, por exemplo, dos modernismos brasileiros, e que coloca a região, seus mitos, espiritualidade, e aspectos oníricos como fontes para um projeto de valorização das “vozes locais” frente a discursos exógenos. A partir dos 17 festivais considerados e dos 134 filmes levantados, esta pesquisa realiza também análise fílmica dos documentários Mãos de Outubro (2009) de Vitor Lima; O Time da Croa (2013) de Jorane Castro, e Ameaçados (2014), de Júlia Mariano. Esses filmes, por um lado, acessam um repertório fantástico para afirmar a especificidade das cosmologias locais frente a suas construções exógenas. Por outro, aludem a um repertório que procura, num duplo movimento, contestar a ética científica desumanizadora historicamente aplicada ao tratar das populações amazônicas e denunciar os resultados dos processos de modernização baseados nessa ciência que toma a região ainda de modo utilitário e colonial.
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