Quando definiu o conceito de Anormal, Michel Foucault revelou a consolidação de uma complexa e autofuncionante rede de instituições de controle, de mecanismos de distribuição e vigilância e de papéis e exigências sociais, lançando a criança nesse turbilhão. Este texto busca empreender uma análise genealógica da história do atendimento à criança pobre no Brasil, fundado na noção moral daquele conceito. A categoria “menor” foi construída segundo a díade justiça - assistência, que buscava amparo simultâneo de suas ações – regular, proteger e sanear moralmente a sociedade -, tendo como alvo à criança pobre, que não correspondia ao modelo de infância civilizada que a nação e a elite aspiravam. O atendimento institucional visava à defesa da sociedade, pelo afastamento das ditas crianças perigosas, cuja especificidade era o tratamento – disciplina e correção para anulação do perigo -, tornando-as aptas a reintegração produtiva na sociedade. Por isso, a instituição tinha como função modificar o caráter, ensinar um ofício, transformar a criança em “um cidadão útil a si e útil aos outros”, privilegiando sua educação. Os diferentes relatos e dados nos ajudam a desvelar que o conceito de anormalidade esteve diretamente relacionado ao de periculosidade, e que portanto, o “tratamento” dispensado às ditas crianças anormais, tinha como um dos objetivos - senão o principal - a cessação do “perigo social” que elas representavam para a sociedade. O que nos move hoje é o questionamento da própria ordem, até mesmo em sua dimensão legal: em que medida a liberdade deve ficar amarrada às atribuições normativas supostamente apoiadas numa natureza humana de que os saberes se arrogam o conhecimento? De que modo a liberdade pode deixar de ser mera derivação de qualificações morais e racionais das quais as pessoas podem ser dadas como carentes e excluídas? Estes novos problemas esta análise nos impôs.
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